QUAL A ESTRATÉGIA?

Foto: GettyImages

 

Por Alexandre Espirito Santo

Economista da Órama e Prof. IBMEC-RJ

Rio

19/05/2020 08h12  Atualizado há uma hora
 
 

No dia 30 de abril, o ministro da economia, Paulo Guedes, comentou, em audiência à Comissão Mista do Congresso Nacional, que “economista não tem que ter dogma, é muito fácil fazer inversão de marcha. Se cairmos em uma armadilha de liquidez, em um cenário de inflação zero, o Banco Central pode sim emitir muita moeda e comprar dívida interna. Pode monetizar a dívida, sem gerar impacto inflacionário”. No início de maio, foi a vez de o prêmio Nobel, Paul Krugman, abordar o assunto, falando da possibilidade de emergentes adentrarem nessa situação, comentando o caso de alguns desses países, como Peru, Colômbia e até o Brasil.
Como sou professor de macroeconomia, alguns alunos me perguntaram sobre a afirmação do ministro. A armadilha da liquidez é um caso descrito por J.M. Keynes, na década de 1930. De forma resumida, representa um momento da economia em que a taxa de juro está muitíssimo baixa, próxima de zero, e, nesse caso, moeda e títulos são substitutos perfeitos, pois não haverá remuneração por esses últimos.
Para os interessados em economia, a armadilha da liquidez representa uma situação em que a demanda por moeda é infinitamente elástica em relação à taxa de juros. Já explicando para um leigo, bens substitutos perfeitos são aqueles em que o agente econômico será indiferente na escolha dentre ambos, pois desempenham uma função muito similar. No caso, deter moeda ou título, que nada remunera, dá no mesmo.
Minha opinião é que o Brasil não está vivenciando, pelo menos por enquanto, uma situação desse tipo, pois a taxa nominal ainda está afastada do zero. Países como o Japão e eventualmente os EUA podem ser parâmetros de comparação. Porém, o importante é saber se caminhamos para algo similar. Vejamos.
Como Keynes sugeriu, quando a economia está na armadilha, a política monetária é inoperante. Em outras palavras, emissão monetária não conduz a um esperado aumento do PIB. Nesses casos, a política mais eficaz para estimular a renda seria a fiscal, via aumento de gastos. Como comento com meus alunos: o governo contrata dois trabalhadores, o primeiro para abrir um buraco pela manhã, e outro para fechar o buraco aberto, à tarde. Produtividade? Nenhuma! Todavia, criaram-se dois empregos, que gerarão renda e consumo.

Pela leitura da ata do Copom da semana passada, depreendi que o Comitê reduzirá ainda mais a Selic na reunião do mês que vem. Minha expectativa é que a taxa de referência caia para 2,5% ao ano. Se admitirmos que a inflação medida pelo IPCA, em 2020, fique em torno de 2% (relatório Focus), podemos projetar que a Selic real, aquela descontada a inflação, convirja para zero, depois de deduzido o IR sobre o rendimento. Meu receio é que, caso a situação fiscal se deteriore ainda mais, possamos observar uma reação ruim sobre a curva longa de juros.
 

Assim, a pergunta que não quer calar é: por que afinal o banco central brasileiro estaria sendo audaz na queda do juro? Qual o objetivo dessa estratégia? Antecipar-se a eventuais problemas/crises no mercado de crédito e desempoçar a liquidez são possibilidades.
 
O fato é que a demanda por dólares explodiu e a taxa de câmbio flertou, semana passada, com os R$ 6. Somente este ano o real perdeu 50% do seu valor; uma maxidesvalorização!
Entendo que não somente a forte redução da Selic causou esse movimento. Pode-se atribuir a um conjunto de fatores, dentre eles a alta recente no risco país. Porém, quando a moeda nacional “derrete”, uma consequência econômica previsível é a economia ficar “barata” em dólares. Nossos ativos, os bens que produzimos e vendemos no comércio internacional, e os salários dos trabalhadores, por exemplo, ficam com preços competitivos.
Sob esse olhar, uma de minhas respostas para as perguntas ali de cima caminha por esse lado de aumentar a competitividade, uma vez que não conseguimos, nas últimas décadas, via aumento de produtividade. Mas de que forma tudo isso faria sentido?
Como escrevi num texto recente aqui (Como será o amanhã?), creio que o Brasil pode ser favorecido no cenário depois que a doença ficar no retrovisor. Somos produtores de commodities agrícolas (grãos e proteínas), além de minério de ferro. São produtos que, mesmo num mundo mais refratário à globalização, permanecem essenciais. Isso significa que o comércio internacional pode se tornar num grande canal de recuperação da economia brasileira, mais à frente. Ademais, a entrada de empresas estrangeiras, com a economia “barata”, pode gerar investimentos produtivos, emprego e até suporte para ações em bolsa.

Para finalizar, é preciso muito cuidado, neste momento, com a política econômica. Daqui a pouco, quando voltarmos à normalidade, a inflação poderá ressurgir com bastante força, face aos atuais estímulos, e elevações de juros significativas poderão se fazer necessárias. Como alertou um aluno, na semana passada: em medicina e economia, a diferença entre o remédio e o veneno é a dose.
Alexandre Espirito Santo é economista da Órama, prof. Ibmec-RJ e da Proseek

 

Fonte: Valor Investe

https://valorinveste.globo.com/blogs/alexandre-espirito-santo/coluna/qual-a-estrategia.ghtml
 

 

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